Protocolo de crédito adotado por bancos é "prova de fogo" para frigoríficos
Por Roberto Gonzalez *
Não é incomum notarmos entre analistas de mercado e investidores comprometidos com o conceito ESG uma certa desconfiança em relação ao que é "adotado" por grandes empresas no papel e o que realmente chega a ser colocado em prática. Especialmente quando no centro da discussão estão aspectos como sustentabilidade que inclui os avanços sociais. Para muitos, em alguns casos, tudo não passa de uma maquiagem por parte das lideranças.
É fato que há casos em que companhias anunciam a criação de Conselhos ou políticas de compliance, pegando exemplo no campo da Governança, e param por aí. Mas não é a regra e, hoje, levando para a questão ambiental e fazendo um recorte no agronegócio, estamos presenciando um momento interessante para analisarmos o que efetivamente tem sido implantado e, futuramente, medirmos esse impacto.
A medida anunciada pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) sobre checagem de frigoríficos brasileiros, para saber se estão comprando gados oriundos de áreas desmatadas na Amazônia Legal e em todo o estado do Maranhão, antes de conceder crédito, mostra que, da parte dos bancos, a preocupação é real. Isso já era uma cobrança de mercados externos. Ou seja, a tendência é que vão apertar o cerco.
Caberá, portanto, aos próprios frigoríficos, adotar mecanismos de controle da origem de seus principais produtos e provar que estão de acordo com o protocolo, que já conta com a adesão de mais de 20 instituições financeiras, com perspectiva de que outras se comprometam com a nova prática. Isso inclui não só suas próprias práticas, mas também um monitoramento de terceiros, em toda a cadeia, o que dificulta a vida desses empresários.
A notícia claramente não agradou o setor afetado que, por meio da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), se manifestou dizendo que "não aceita que outros setores terceirizem suas responsabilidades para os frigoríficos".
A entidade garantiu comprometimento com a diminuição de danos ao meio ambiente, segundo ela já tendo cortado relações com mais de 20 mil fornecedores irregulares, e ainda cobrou que as exigências dos bancos sejam feitas a "todos os correntistas".
De qualquer forma, é prudente que os frigoríficos se atentem ao novo protocolo pois, convenhamos, os bancos são aliados essenciais para quem almeja voos cada vez maiores e a sustentabilidade, nesse caso, econômica.
E já há precedentes positivos no próprio setor. Em relação ao rastreamento da cadeia produtiva, mas com foco em zerar emissões de carbono, por exemplo, gigantes como a JBS adotaram a "transparência" como palavra-chave. Para garantir que suas imagens não sejam contaminadas por algum produtor irregular, lançam mão de ferramentas como a da startup Agrotools, de São José dos Campos (SP). Há mais de dez anos ela fornece um serviço de monitoramento por satélite capaz de acompanhar toda a cadeia das empresas. A gigante Marfrig é outra Companhia que há anos tem anunciado investimentos neste sentido, o que inclui um monitoramento em todo o Bioma.
Se ainda não há avanço suficiente para atender à nova contrapartida dos bancos – o que ao meu ver não parece ser o caso – por que não uma junção de forças interessadas para alavancar esse progresso?
Uma coisa tem que ser entendida: independentemente de "dar uma satisfação" e se apresentar positivamente ao mercado, quando pensamos em Governança Ambiental, Social, Corporativa ou Econômica, colocar realmente em prática esses conceitos traz avanços para a empresa como um todo, pois mexe em aspectos estruturais importantes para o funcionamento da mesma, desde melhorias na produção até controle de riscos, entre outros.
Isso vale para qualquer setor, mas é ainda mais crucial quando consideramos o compromisso social e ambiental necessário para o agronegócio. Afinal, no longo prazo, é o bem-estar de seus próprios consumidores que está em jogo.
Sem eles, a roda não gira. E a conta não fecha.
(*) Roberto Gonzalez é consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas. É autor do livro "Governança Corporativa - O Poder de Transformação das Empresas"
Fonte: Divulgação
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