Um universo chamado sala de aula

A sala de aula é um espaço para os que se abrem ao amor, à coragem, empatia, ousadia e firmeza. Só os que convivem com a diversidade de emoções e urgências psicológicas, cognitivas e familiares compiladas no mesmo espaço, possuem real lugar de fala, na compreensão prática do que é esse universo chamado sala de aula.
O contexto atual nos confronta, enquanto profissionais comprometidos com a formação integral dos nossos aprendentes. Ser professor na era digital requer práticas pedagógicas, indubitavelmente, inovadoras. Temos visto a criação de metodologias ativas e criativas que permeiam a criação de aulas mais dinâmicas e produtivas na tentativa de alcançar a atenção de crianças e adolescentes que possuem conhecimento de tudo e nada, simultaneamente, supostamente adquirido por meio de telas que chegam a consumir-lhes dez, doze até quatorze horas diárias. Nesse viés, precisamos considerar a díspar realidade em uma sala de aula composta por 35 a 40 estudantes, onde o professor possui dois desleais concorrentes para que todas suas investidas alcancem o mínimo de sucesso. E por qual razão uso aqui, caro leitor, o inquietante termo “desleais”?
Ora, vale considerar que a lealdade é um valor humano relacionado à capacidade de ser plenamente confiável, manter sua retidão moral, honestidade e honrar compromissos. Uma relação leal é, portanto, o fundamento que sustenta a educação. É por meio da lealdade que ambas as partes – educandos e educadores – possuem plena confiança no cumprimento de seu compromisso, ou seja, quanto mais confiável forem os relacionamentos dentro do espaço educativo, melhores serão os resultados na formação integral dos educandos.
Respaldados por essa premissa, atenhamo-nos aos desafios enfrentados pelos professores nesse universo chamado sala de aula. A ausência de apoio familiar à escola está no topo da lista dos insucessos da educação brasileira, visto que, comprovadamente, o escasso tempo de qualidade e escuta ativa entre pais e filhos, a falta de orientação quanto a valores básicos voltados ao amor-próprio e ao próximo e à efetiva compreensão de limites e limitações permeiam a formação integral do ser humano. Crianças e adolescentes “órfãos de pais vivos” tendem à baixa autoestima, à insegurança e ao isolamento, o que, consequentemente, dificulta-lhes o desenvolvimento cognitivo de forma eficiente para ocupar seu espaço social como cidadão no mundo.
Seguindo o ranking de mazelas, encontra-se a disparidade entre a revolução tecnológica, na qual a velocidade das telas é muito mais significativa e atrativa aos estudantes, e a urgência de um novo modelo de gestão de sala de aula, no qual o protagonismo e a autonomia discente tornam-se prioridades frente à velocidade das mudanças.
O estudante não é um receptor passivo das ações do professor, antes, é agente na construção do conhecimento. A sala de aula, por sua vez, é o espaço em que um turbilhão de emoções transborda de forma constante e real, e por conseguinte, nela não há espaço para relações quebradas. Geri-la requer equilíbrio, mediação e moderação de um professor que saia do papel unilateral – absoluto detentor de conhecimento – para a gratificante missão de ser o apoiador confiável capaz de estabelecer vínculos socioemocionais que resultem na eficaz aprendizagem.
Em meio a tudo isso, surge a escassez da prática da escrita na vida cotidiana da atual sociedade, fortalecida pela criação das IA’s que, não havendo-lhes aplicação ética, tendem a corroborar para a falta de estímulo da produção criativa. Um estudo recente realizado pela Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU) revelou que as atividades escritas trazem diversos benefícios para a memória e o aprendizado, os quais impactam no processo de aprendizagem consideravelmente. Constata-se que a formação manual das letras desenvolve o controle motor, estimula o cérebro, aguça o cérebro, ajuda-nos a aprender e a reter a informação, liberta a criatividade, coopera na resolução de problemas, sendo, portanto, considerado um processo de relaxamento consciente.
Diante de tudo isso, o que se torna admirável, mas não surpreendente, é o fato de, nas salas de aula, depararmo-nos ainda com professores cuja dedicação e compromisso superam grande parte dessas adversidades latentes. Dentre as quais está a manutenção da própria saúde mental necessária para gerir salas de aula com tamanhos desafios. A coragem e ousadia são inerentes ao professor que exerce a função por vocação, e isso é o que lhes sustenta a capacidade de inovar, adaptar-se, e soberanamente, acreditar.
Contudo, a concepção de responsabilidade familiar dentro das instituições de ensino deve ser revisitada, para que vocações não sucumbam às sobrecargas e relacionamentos não sejam quebrados, pois a criança e o adolescente devem sentir-se tão amados e seguros no âmbito familiar que, ao adentrarem em uma sala de aula, não sintam a necessidade de buscar socorro para a cura de feridas geradas devido à ausência dos seus responsáveis, não busquem referências maternas e paternas fora do local em que lhes deve ser oferecido por direito: o lar.
As famílias que buscam por escolas e profissionais que contribuam significativamente para o bom desempenho acadêmico de seus filhos, devem antes, priorizar o tempo de qualidade destinado a eles, a fim de propiciar o fortalecimento de laços em um ambiente de apoio e confiança. Esse é o princípio para as crianças se sentirem mais valorizadas e seguras, o que exponencialmente contribuirá para o seu bem-estar emocional e psicológico. Além disso, os momentos de interação familiar proporcionam oportunidades para os pais conhecerem melhor seus filhos, entenderem suas necessidades e interesses e ensinarem valores importantes através do exemplo. Afinal, a educação é de responsabilidade familiar. Embora os estudantes passem por escolas e nelas permaneçam por um tempo determinado, serão por toda a vida membros de uma mesma família.
Assim, a aliança, firmada em lealdade, entre escola e família, tornará a sala de aula o espaço democrático, acolhedor, propício ao desenvolvimento das habilidades e competências necessárias para a uma geração conscientemente atuante nas diversas esferas sociais de modo a contribuir para a evolução da liberdade de expressão do pensamento, de pesquisas e descobertas capazes de garantir a sustentabilidade das futuras gerações.
* O conteúdo do artigo assinado não representa necessariamente a opinião do Mackenzie e da Revista Vida no Campo
