Os efeitos das catástrofes naturais que atingiram o Rio Grande do Sul vão além da perda de casas e bens materiais, dos desalojamentos ou do atendimento aos feridos. Apesar da dor das mortes e, inclusive também por conta delas, é preciso olhar para um lado, muitas vezes, negligenciado: a saúde mental. De acordo com o médico psiquiatra Júlio Dutra, presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPsiq), as sequelas emocionais deixadas pela tragédia devem ser imediatamente avaliadas.
Pesquisas recentes no Brasil apontam alguns efeitos psicológicos a partir dos desastres ambientais. Estudo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que, dois anos após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana, ocorrido em 2015, 28,9% dos atingidos sofriam com depressão. Em Barra Longa (MG), vizinha à Mariana, o problema foi a ansiedade: pesquisa da Fiocruz registrou aumento de 25 vezes mais casos, que multiplicaram ao lado de outras doenças. A Fiocruz também constatou desafios após as enchentes históricas em Santa Catarina, em 2008: cresceram os casos de acidentes vasculares cerebrais (AVCs), provavelmente gerados por situações de estresse.
“O impacto na vida das pessoas ainda deve ser sentido por muito tempo. Não apenas por quem perdeu um ente querido. Mas, por todos aqueles que precisaram deixar suas casas e, ao voltarem, perceberão que terão de reconstruir tudo. Isso faz com que a pessoa atingida passe por uma situação de impotência, ineficiência e total vulnerabilidade”, ressalta o especialista. Júlio Dutra observa que os danos psicológicos são mais difíceis de se constatar e, por isso, agem de maneira silenciosa passando despercebidos.
Ajuda
Um dos motivos que explica isso, conforme o presidente da APPsiq, é que a ajuda aos atingidos, num primeiro momento, deve se concentrar na busca pela sobrevivência diante da tragédia, com mobilizações necessárias, fundamentais e importantes, resolvendo os problemas imediatos. “Entretanto, passados os efeitos físicos dos desastres, é preciso estar atento, pois as pessoas voltarão para casa, cairão em si em relação ao luto e começarão a contabilizar os prejuízos, portanto, os processos mentais irão aflorar e voltar as atividades do cotidiano será um grande desafio emocional”, ressalta o médico psiquiatra.
A Associação Paranaense de Psiquiatra (APPsiq) se solidarizou e está apoiando a iniciativa da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS) que, além de compartilhar, em seu site, o documento “Protocolos para Organização do Cuidado Local ou Remoto em Emergências ou Desastres”, está cadastrando psiquiatras e organizando teleatendimentos para a população gaúcha que foi atingida pela tragédia. Júlio Dutra ressalta que psiquiatras paranaenses já estão auxiliando e convida todos os que puderem a colaborar. “Não se pode negligenciar os sinais que as pessoas dão de que a saúde mental foi afetada e necessita de cuidados. Os desastres provocam impactos psicológicos, às vezes irreversíveis ou difíceis de serem esquecidos, por isso, essas feridas abertas na mente devem ser tratadas de maneira adequada”, explica o especialista.
A preocupação, conforme interpretação do presidente da APPsiq, é de que “os traumas e choques iniciais de uma tragédia venham a se transformar em doenças mentais como transtorno pós-traumático, depressão e até suicídio” comenta. De acordo com uma pesquisa que estudou o cenário do furacão Katrina, que atingiu os Estados Unidos em 2005, as taxas de suicídio ou de pessoas que pensaram em suicidar-se mais que dobraram. Além disso, uma em cada seis pessoas apresentou sintomas do estresse pós-traumático e 49% desenvolveram ansiedade ou depressão.
A população deve ser assistida pelos órgãos públicos, mas, acima de tudo, amparadas pelas entidades, instituições e organizações de classe. “Todos devem realizar um esforço conjunto, visando dar a assistência necessária às pessoas atingidas, e isso inclui o cuidado com a saúde mental desta população que foi devastada física, econômica e psicologicamente”, ressalta Júlio Dutra.
Fonte: Divulgação
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